segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
15:47:00
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Reflexos do meu ser
Eram três mulheres, de idades diferentes, na noite de réveillon.
Uma delas tinha desbravado os caminhos da emancipação, mas sem saber o que estava fazendo; como andava ocupada demais vivendo sua vida, não tinha tempo nem paciência para pensar nas lutas femininas. .
Viveu do jeito que quis, sem teorizar nem rasgar o sutiã – até porque nunca usou nenhum.
Praticou profundamente a liberdade; às vezes sem medo, outras apavorada, mas sempre fazendo tudo o que tinha vontade.
Os anos passaram, a vida mudou, ela também.
E, por força das circunstâncias, viu-se ela mais as outras duas – bem mais novinhas – procurando um táxi às 4h30 da madrugada do dia 1º de janeiro.
As duas jovens têm maior consciência de seus direitos.
Sabem que são livres e não esperam por homem algum para tomar decisões ou escolher o que vão fazer à noite – ou o que vão fazer da vida.
Quando nasceram, o caminho já estava aberto, mas, curiosamente, as dúvidas e os desencontros que acontecem em suas histórias são exatamente iguais aos da mais velha; aliás, aos de todas as mulheres.
As três podem tudo, tanto que foram às festas que quiseram, dançaram à vontade, foram paqueradas, cortejadas, azaradas e saíram sozinhas, por escolha própria.
Cada uma delas, lá no fundo do coração, talvez tivesse preferido romper o ano andando numa praia de mãos dadas com um príncipe encantado, mesmo provisório, que durasse apenas aquela noite.
Mas os príncipes estavam em outras galáxias, e elas ficaram rindo, brincando e procurando um táxi – mas sozinhas.
O táxi não aparecia e alguns alegres italianos passaram fazendo gracinhas, mas não foram correspondidos.
Começou a chover, uma chuva fininha, e uma delas foi logo falando que deviam estar muito felizes, pois era isso o que queriam: chegar em casa a qualquer hora ou nem chegar, sem ter a quem prestar contas.
Mas é caso para refletir: afinal, foram tantas as passeatas, tantos os artigos publicados na imprensa, tantos os livros escritos, para terem o direito de estar de madrugada, sozinhas, procurando um táxi?
Enquanto isso, uma bonitona que nunca lutou por liberdade alguma saiu de uma festa com o marido, que foi buscar o carro para que ela não pegasse chuva.
As três continuaram esperando, passaram de novo os italianos, e a bonitona pensou:
“Ah, se eu estivesse sozinha...”
O marido finalmente chegou, foram para casa; e as três tomando chuva, que já estava mais forte, aguardando pelo táxi, que só conseguiram pegar às 5h30.
Fizeram o roteiro, racharam a corrida, e a que saltou primeiro disse para uma delas a frase que sempre se diz para impor respeito:
“Vou falar para o coronel descer e te esperar na portaria”.
Aquela proteção de que ainda precisam as mulheres, seja no limiar do perigo, seja na frente de uma barata.
Nenhuma delas teve coragem de revelar o que estava pensando, isto é: será que valeu?
O relógio mostrava que era tarde para começar uma conversa desse teor e, mais tarde ainda, para mudar os rumos da vida.
Elas se beijaram, desejaram-se feliz Ano Novo e foram dormir.
Fingindo, as três, que o primeiro dia do ano é igual a todos os outros, como insistem em dizer algumas pessoas.
Elas, inclusive.
( Danuza Leão )
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