terça-feira, 16 de fevereiro de 2010





Cada vez que se formula uma expectativa sobre algo que vai ocorrer, cada um de nós inunda o instante futuro, o acaso, o novo, o adiante, com resíduos de um passado mental, aquele que engendrou a expectativa e pretende aprisionar a realidade dentro dela.
E jogar passado no futuro é uma forma de nunca evoluir. Ou de sofrer.
Estamos tão pouco preparados para o novo e para o criativo que justamente as coisas que mais desejamos ou queremos, fazêmo-las vítimas de uma expectativa anterior a elas, mero expediente mental de controlar o futuro com o passado da imaginação.
Daí, elas serão ruins ou boas, não em função delas mesmas ou de como estaremos nos momentos em que elas ocorrerão e sim em função da correspondência (ou não) com o esquema mental anterior, construído para aprisionar a realidade dentro de nossos limitados esquemas mentais, desejos e vontades.
Um bem, um valor, um objeto, uma viagem, não se transformam em bons ou maus conforme se apresente a realidade intrínseca deles.
Eles ficam bons ou maus para as pessoas segundo correspondam ou não à expectativa delas.
Aprisionar o momento que passa pela expectativa que anteriormente dele construímos, é encharcar de um perigoso e renitente passado, a criatividade de um futuro repleto de acaso e mutação.
É predispor-se secretamente para o sofrimento, pois a realidade que é sempre ampliadora em si mesma, diante de nossas expectativas se torna sempre redutora.
A ânsia de não poluir o novo com uma visão anterior a ele, diminui a cota de expectativa que projetamos.
E por mais vigilante que seja nesse processo de se fazer limpo, liso e puro para o novo, o ser humano está sempre a ser infiltrado por algumas expectativas teimosas e renitentes, velho vício de inundar de passado, de eco, de resíduo e de repetição, um futuro que é sempre novo em seu mistério e acaso.
Impossível não ter expectativas.
E já que é impossível não as ter, possível é limitar o seu efeito sobre nós.
Seremos tão mais felizes quanto mais capazes formos de limpar o "adiante" dos ruídos de um passado que nos faz repetir e repetir apenas as experiências que já temos, prisioneiros que somos do "antes", quase nunca hospedeiros do "vir a ser", mensageiros do "depois".

(Artur da Távola)

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