domingo, 28 de fevereiro de 2010

Recebo o e-mail de uma amiga contando que, mesmo não tendo tempo para mais nada, voltou para as aulas de dança, que está fazendo à noite.
Diz ela: “Tem coisas que devemos abrir espaço a fórceps, ou corremos o risco de serem extinguidas de nossas vidas”.
Fórceps todos sabem o que é.
Um instrumento que, em obstetrícia, serve para extrair o bebê do útero, em caso de pouca dilatação do ventre.
Falando assim, parece uma coisa agressiva, mas não é.
É um help.
Se a natureza não está ajudando, o fórceps vai lá e puxa o bebê pra vida.
Pois é assim que estamos levando os dias: a fórceps.
Se existe uma coisa que não se dilata espontaneamente é o tempo, ao contrário, está cada vez mais apertado, então a gente tem que tratar de extrair tudo o que a gente quer da vida na marra mesmo. Forçando um pouco.
E lá vamos nós pra noite, mesmo com medo da própria sombra.
Vamos jantar, vamos ao cinema, vamos ao bar, vamos à casa de amigos, vamos cantarolando dentro do carro e com os vidros bem fechados, vamos despistando as neuras e tentando estacionar bem longe das estatísticas estampadas nas páginas policiais.
E a gente promete nunca mais telefonar para quem nos faz sofrer mas acaba telefonando, e ele atende, e implica, e a gente some, e ele chama, e a gente volta, e briga, e ama, e sofre, e ama, e ama, e ama, e desama, e termina, e quando parece que cansamos, que não há mais espaço para um novo amor, outro aparece, outro parto, começa tudo de novo, aquele ata-e-desata, o coração da gente sendo puxado pra fora.
E a gente faz mágica: vive 32 horas por dia, oito dias por semana, 14 meses por ano — e com um salário microscópico.
Fazemos a volta ao mundo com meio tanque de gasolina, dormimos seis horas por noite, sonhamos acordados o tempo inteiro.
Bebemos um drinque com as amigas e voltamos para casa sóbrias, entramos no quarto das crianças sem acordá-las, um pássaro não seria mais leve.
Lemos todos os livros do mundo nos intervalos da novela, paramos dois segundos para olhar o pôr-do-sol pela janela, telefonamos para nossa mãe ao mesmo tempo em que respondemos o e-mail de um cliente, e se alguém sorri para nós, a gente se aproxima, se arrisca e renasce nestas chances de vida.
Porque senão é da casa pro trabalho e do trabalho pra casa, deixando o tempo agir sozinho, esperando dilatações espontâneas.
E, como elas não acontecem, permanecemos paralisados na vidinha mesma de sempre, lamentando o fim das nossas aulas de dança.

(Martha Medeiros)

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