quarta-feira, 30 de junho de 2010


A questão amorosa preocupa mais à maioria do que os aspectos essencialmente relacionados com o sexo. Não creio que isso seja justo, pois o sexo ainda é um grande problema a ser mais bem resolvido pelas gerações que estão aí e também pelas que virão.
Aconteceu um fato recente que me fez escrever este pequeno texto sobre o amor.
Fui convidado para fazer uma pergunta para Rosa Montero (escritora espanhola que foi entrevistada pelo programa Roda Viva da TV Cultura em 10/4).
Perguntei se ela achava razoável pensarmos na existência de um fator anti-amor, um fator interno que torna tão difícil e incomum a realização das histórias de paixão, tema de um dos seus trabalhos mais recentes.
A resposta dela foi de tal forma surpreendente que me fez reconsiderar alguns aspectos relacionados com o que já escrevi sobre o assunto: ela desviou totalmente do assunto e parece não ter entendido minimamente o que eu estava falando (havia tradução simultânea para o espanhol)!
Compreendi o quanto a maior parte das pessoas, mesmo as mais esclarecidas, ainda é carente de informações a respeito do tema.
Ela dizia que a paixão é um vício, algo que só pode durar uns 2 anos; este é o discurso oficial, nada criativo.
Dizia também que depois de superada a paixão, as relações ganhavam aquele aspecto cotidiano um tanto monótono e repetitivo.
Ela disse que ela mesma havia se apaixonado várias vezes e que as histórias sempre terminavam assim: quando se sai da fantasia para a realidade, o tédio e a monotonia acabam por predominar.
Em síntese, ela disse que ou vivemos o amor como drogados ou então o vivenciamos como um tédio. Nada pode ser mais tradicional, conservador e depressivo do que estas considerações extraordinariamente reacionárias.
Dão a impressão de que não há saída e salvação para a questão do amor a não ser pelo esforço enorme de aceitar e respeitar as diferenças que são inerentes ao fato de que o amor real implica em indivíduos específicos.
Não fala sobre que diferenças e, com isso, coloca todas as diferenças no mesmo saco.
Não preciso enfatizar o quanto acho isso perigoso, pois é muito diferente estar convivendo com um bandido, com uma pessoa sem caráter e desleal, ou com alguém que gosta de acordar cedo quando gostamos mais de dormir até tarde.
Há diferenças e diferenças e colocá-las todas juntas é estimular a idéia de que não devemos levá- las em conta já que terão que existir e teremos que trabalhar muito – ainda que no contexto das relações tediosas – para que consigamos ter algum tipo de afetividade pela pessoa por quem antes tínhamos paixão.
Ela fala que, na paixão, amamos mesmo é o estado que o encantamento pelo outro provoca em nós.
É verdade.
Diz que não amamos a outra pessoa e que amamos mesmo é o amor!
Este é mais um capítulo do discurso oficial, tradicional e vazio.
Amamos uma determinada pessoa porque ela provoca em nós uma série de sentimentos e sensações e isso é o que venho afirmando há décadas.
Amo aquela pessoa cuja presença provoca em mim a sensação de aconchego, de paz e de bem-estar que eu perdi no momento do nascimento.
Amo a pessoa porque ela é capaz de provocar em mim emoções muito agradáveis.
É mais que lógico que seja assim.
O trágico é que muitas pessoas, depois de encantadas, continuam a amar a pessoa apesar dela provocar dor, humilhações e todo o tipo de insegurança e desconforto.
Isso não é mais amor e sim uma dependência mórbida que está desconsiderando os fatos e que torna tantas pessoas reféns de parceiros que não valem a pena.
Aí as pessoas falam coisas do tipo: ele é péssimo, mas eu o amo!
Isso é que não faz o menor sentido.
Temos mesmo que amar a pessoa que nos faz feliz, que provoca em nós grandes e prazerosas sensações.
Enfim, eu que pensava que não haveria necessidade de escrever mais nada a respeito do amor decidi, em virtude deste fato e de tantas observações que tenho lido no meu site a respeito da sexualidade (além das consultas on line onde, é claro, os assuntos relacionados com namoros e casamentos desastrosos predominam largamente), tratar de escrever mais sobre o amor, sobre os caminhos que levam à felicidade sentimental.
Quero muito reafirmar mais uma vez que a paixão corresponde a um encantamento de ótima qualidade entre pessoas parecidas que vivenciam este encontro com muito medo.
O medo é parte da paixão e dá a ela o caráter aflitivo e tenso que pode se assemelhar ao vício.
Quando o medo se atenua, a relação continua a manter todo o vigor e todo o encantamento próprio das relações baseadas na confiança recíproca, numa intimidade totalmente compartilhada e num clima erótico legal.
O medo não é outro senão uma manifestação do que chamo de fator anti-amor, presente em todos nós, que está principalmente relacionado com o medo da felicidade.
Este é o maior obstáculo à realização amorosa.
Como todo medo, só pode ser tratado de uma forma: enfrentando-o com consciência, coragem, determinação e persistência.
 
Flávio Gikovate

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