quinta-feira, 21 de janeiro de 2010


No reino da fantasia, não há espaço para ansiedade, medo de engravidar, falta de desejo ou dificuldade de se entregar.
No mundo real, a história é bem diferente - as dificuldades existem e o prazer está intimamente ligado à capacidade de se comunicar.
Tentar ser um bom amante sem isso é praticar tiro ao alvo de olhos vendados.
Num mundo sexual imaginário, nunca nada machuca, nada arranha, nada fere, ninguém fica ansioso, cansado, tem medo de engravidar.
Nesse reino de imaginação, nunca nada dá errado, tudo sempre se encaixa com perfeição, ereções sempre acontecem, orgasmos são fáceis.
O desejo é constante, a camisinha não atrapalha e as pessoas se entregam com a maior facilidade.
Na vida real não é bem assim.
O que de fato acontece na cama tem muito pouco a ver com o que está na literatura erótica, nos manuais de sexologia, nos filmes de Hollywood.
Existem muitos livros que dizem o que se deveria estar fazendo na cama e, além do mais, existe agora até CD-room erótico.
Entretanto, é muito mais importante saber o que as pessoas estão fazendo, pensando e sentindo de verdade. Será que a única coisa que conta é a quantidade?
Será que menos sexo significa menos intimidade ou será que certos casais descobriram outras maneiras de manifestar sua intimidade sem precisar ter "x" orgasmos por semana?
Será que o vínculo depende de quantas relações sexuais cada um está tendo ou da qualidade dessas relações?
E, numa relação a dois, quando se fala sobre isso?
Como disse a sexóloga americana Helen Kaplan tentar ser um bom amante sem se comunicar é a mesma coisa que tentar aprender tiro ao alvo com uma venda nos olhos.
Mas tirar essa venda significa perceber nossas expectativas sexuais reais e irreais e também poder falar sobre elas.
Um homem pode sonhar com ter relações sexuais todos os dias e, de repente, descobrir que seu apetite sexual não vai além de uma ou duas vezes por semana e que seu desempenho não é tão magnífico assim. Uma mulher pode ter imaginado que bastava bater palmas e dizer "Abra-te, Sésamo" para ter uma relação.
Acontece que cada um é como é, diferente um do outro.
Não gostamos todos das mesmas coisas, não queremos as mesmas coisas nem construímos as mesmas fantasias.
Não.
O nível de energia sexual ou de fome não segue um padrão.
Por isso, é muito importante separar sexo de verdade de sexo de mentira, realidade de sonho.
Fantasia é aquilo que acontece na nossa cabeça.
Realidade é o que acontece em nossa cama.
Quando se pensa em sexo de verdade, se sabe que praticamente todas as pessoas tiveram, feliz ou infelizmente, alguma experiência inesquecível.
Muito ou pouco sexo, bom ou mau, ou algo entre os dois extremos.
De algum modo, todos escondem alguma coisa.
Cada segredo sexual é diferente do outro.
O único denominador comum é que cada pessoa parece ter um.
Algumas pessoas escondem sentimentos e desejos ("Sinto uma vontade inconfessável de transar com..."), outros escondem comportamentos, outros ainda mantêm segredo sobre sua biografia sexual.
Um homem pode querer que ninguém saiba que ele teve uma caso, uma mulher pode não querer que seu parceiro saiba que ela está fingindo ter orgasmos e, sobretudo, ninguém quer que os outros saibam seus dilemas sexuais.
É verdade que se fazem muitas piadas e insinuações sobre o assunto, mas, mesmo quando se conversa, a maioria das pessoas faz somente alusões.
Ninguém se sente muito à vontade contando seus medos, desapontamentos ou segredos sexuais.
Para se proteger de uma hiperexposição, a maioria conta sua história sexual aos poucos, aos pedaços, aos sussurros.
Por quê?
As pessoas se sentem vulneráveis quando falam de sexo.
É difícil confessar.
Por isso, umas inventam, outras se calam.
Quem cresceu antes da revolução sexual dos anos 60 só se abre quando confia muito.
Quem cresceu durante a revolução pode querer saber detalhes, mas por outro lado pode ter medo de perguntar.
A verdade é que ninguém tem sexo no vácuo.
Cada vez que nos envolvemos numa relação, levamos conosco nossos medos, nossas fantasias, nossas experiências passadas.
Mas só penetrando na realidade se penetra no outro.

* Maria Helena Matarazzo é sexóloga*

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